2014/07/22

Dia 1921

Sou como todo mundo. Eu levanto cedo com o barulho irritante do despertador que eu mesmo programei. Lavo o rosto, escovo os dentes. Preparo meu café, troco de roupa, amarro meus sapatos e vou pra rua viver. Ou tentar viver. O que seria viver? 
Eu tenho tido alguns problemas pra dormir sabe? Mas não é por insônia ou algo do tipo. É porque eu fico pensando demais. Acho que isso acontece com todo mundo também. Com todo mundo que pensa demais, a gente acaba esquecendo que tem que dormir e quando vai ver já é quase hora de levantar de novo. Dai você levanta cedo. Lava o rosto, escova os dentes. Prepara o café, troca de roupa, amarra os sapatos e vai pra rua. Viver. Viver? Vai pra rua pensando no tempo que deveria ter dormido e não dormiu. Nos pensamentos que ocuparam o horário de sono. No ar da rua que esta mais frio. Na água da planta que esqueceu de regar. Na conta de telefone que ficou em cima da mesa e esqueceu de pagar. Da xícara de café que ficou em cima da escrivaninha e o controle remoto da televisão dentro da fruteira. Eu devo ter esquecido as chaves em algum outro lugar também. Que dia é hoje?
Entao eu me sentei naquela cadeira e cruzei as pernas. Tirei meus oculos redondos e escuros e os coloquei sobre a mesa. Eu conseguia ver as pessoas de onde estava. Tinha um amplo cenário da rua. Coloquei também meu livro recém-começado ao lado do óculos. Logo, uma boa e gentil senhorita me trouxe o café. Há açucar, adoçante e guardanapos em um suporte na mesa. Um 'muito obrigado' e um sorriso eu falo á ela e ela me devolve apenas o sorriso. 
Eu usava um jeans escuro e uma camisa azul. Tenho que admitir que não fazia a barba á alguns meses já. Senti vontade de escrever mas não sabia sobre o que. Sentia vontade de conversar mas não sabia sobre o que. Senti também, vontade de tirar uma fotografia mas não sabia sobre o que. Estava acontecendo ali uma utopia dentro do meu espirito e eu não minha ignorância tremenda nem me dei conta de tal acontecimento. Da pra notar como somos tão tolos á acreditar que sabemos tudo que está acontecendo principalmente no nosso interior. 
Essa ânsia aguda de sempre querer algo maior mas sem saber o que, é isso que se torna tão flageloso no cotidiano e na rotina chata que ao menos uma vez na vida percebemos ter. Por isso, cada vez mais as pessoas se encontram nos livros e nas novelas por ai, tentando fugir da triste realidade que nada emocionante realmente acontece na vida. A repetição diária é o câncer da atualidade. O dia de hoje se torna o dia de amanhã e nenhuma expectativa aparece para um futuro iminente. A ansiedade se torna frequente pois realmente há esperança de que tudo mude. Que talvez, cenas de filmes aconteçam nas nossas vidas. Que sejamos resgatados por agentes secretos ou que dançaremos como em Dirting Dancing. Mas a realidade é que quase sempre estamos hipnotizados atrás de telas de computador tentando sobreviver á mais um dia. E á mais um dia sobreviveremos. Pagaremos nossas contas. Declararemos nossos impostos. Vamos fazer mais uma recarga no celular. Vamos mais uma vez pegar filas nos bancos.
Amanhã talvez seja dia do seu curso de inglês. Vai ser a maior emoção da sua semana agitada. Ou então um novo cliente entrou na loja, corra para empurrar a nova coleção. Dai você toma mais um energético, fuma mais um cigarro. Mas no fim do dia você esta sempre lá diante da maravilhosa tv enorme trocando de canais porque nada, absolutamente te interessa em lugar nenhum. Quer saber porque? Porque você quer mais e não sabe sobre o que.
Então vamos levar isso para outro nível.  
Não precisa escolher muito, algumas estações do rádio e pronto. A música perfeita dentro do carro. Cante com ela. No farol, o sorriso pra garota do Honda prateado. Em casa o que você deve fazer? Lavar o rosto, escovar os dentes. Preparar o café.  
Amanha quando você acordar, você não vai se lembrar de absolutamente nada durante 3 segundos, serão os melhores 3 segundos da sua vida. Ou seria como em Stairway To Heaven e o semblante no rosto é do nirvana que finalmente alcançamos? Mas prefiro ser Kashmir e estrelas preenchendo meus sonhos sendo eu um viajante de ambos tempo e espaço para estar onde eu estive.
Eu sei que com o tempo vou acabar parando de escrever. Vou parar de reclamar tanto e de tentar encontrar no reflexo do espelho a resposta da pergunta: E então, o que temos pra hoje?
Sei que... Sei que toda manhã eu vou lavar o rosto, escovar os dentes. Preparar meu café, trocar de roupa, amarrar meus sapatos e vou para a rua viver. Ou tentar viver. O que seria viver? 
O que vão dizer de bom sobre mim quando eu morrer?
"E não é que aquele filha-da-puta escrevia bem pra caralho?"

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