2016/05/26

Dia 2264

Eu estava morando em um apartamento alugado ali no bairro do bexiga. Na rua Maj. Diogo com a Av. Brigadeiro Luis Antônio, 875 no 5° andar. Janelas grandes na sala de estar. A luz que iluminava a casa era muito boa. E eu tinha montado como se fosse um pequeno estúdio de fotografia na sala. Coisa de quem mora sozinho e tem espaço de sobra. Fundo com pano branco. O tripé em frente. Algumas lamparinas improvisadas no chão. A bancada com a câmera e as lentes recém adquiridas no E-bay. A mochila preta no chão e mais algumas coisas. 
Na casa tinham alguns quadros nas paredes. Algumas fotos de outros ensaios que fiz emoldurados também. Algumas revistas tipo Veja e Galileu que comprei nem sei porque. Um incenso queimando perto da entrada da casa deixando um cheiro ao ambiente. Um elefante dourado atrás da porta. Um puff grande perto do sofá de couro preto. Algumas almofadas espalhadas. Tem muita coisa aqui em casa e eu tinha dado uma geral em tudo. Estava esperando visita.
Havia uma garota que vinha de fora. Era pra ela ter vindo bem antes mas se atrasou alguns anos. O último contato que tive com ela eu ainda estudava fotografia no centro anos atrás. A primeira vez que tinha visto essa garota ela ainda era loira. Tinha 25 anos e uma história engraçada de 29 minutos para contar. Não sabemos quem somos até que nos conectamos com alguém. Simplesmente somos melhores seres humanos quando estamos com a pessoa certa. É isso que penso sempre.
Mas eu tinha um roteiro afinal ela tinha que comer, certo? Quem mora em São Paulo sabe, no bexiga uma coisa que tem bastante é bar. Foi um dos motivos pelo qual procurei morar por aqui. Queria ficar perto de uma movimentação, por mais que passando da porta para dentro da minha casa é silêncio. Gosto de passar com meu carro ali perto da 9 de julho e ver as cadeiras e mesas na calçada, os bares sempre cheios e as pessoas rindo enquanto os copos estão cheios. Um brinde á vida e os copos levantam. E as luzes da cidade, sobre tudo as luzes. Vamos celebrar a noite de hoje. 
Ela avisou que estava chegando. Eu ia busca-la mas ela já tinha pego um táxi. 20 minutos, no máximo meia hora ela tocaria o interfone. Aqui no prédio não tem porteiro. Toca direto no apartamento. Então fiquei sentado no sofá esperando ela chegar depois que tomei um banho. A noite estava linda e eu deixei as cortinas da sala abertas. A noite invadiu meu apartamento. 
São 20:42PM e o interfone toca. Ela riu e disse "sou eu". Apertei o botão, a porta lá embaixo destravou e eu disse que ela podia subir. As chaves? Onde estão as drogas das chaves? Achei! Quem colocou elas na fruteira? E enfim, a campainha com barulho antigo toca. Eu paro em frente a porta. As chaves fazem barulho. Eu sinto ela do outro lado da porta. Deve estar olhando para o chão, sem graça. Respiro fundo, enfio a chave na porta giro e destranco. Quando a porta range pra dentro ela vira o rosto e olha para mim. Direto no meu olho. Ninguém olha pra gente assim hoje em dia. 
Não sei ao certo quanto tempo esperei por esse momento. Ela esta aqui sabe? Na minha casa, quem diria! Ela pede licença toda desconcertada quando convido ela pra entrar. Quando ela coloca os dois pés dentro do ap, eu a abraço. Ela, ela logo gruda no meu pescoço me abraçando também. O engraçado é que ela é pequenininha então fica na ponta dos pés. Eu me abaixo um pouco, sinto o perfume dela com meu rosto afundado no ombro e nos cabelos dela. Da pra sentir a respiração dela no meu pescoço também e os braços me esmagando pelo cangote. As mãos dela se entrelaçaram atrás da minha cabeça. Acho que não quer sair daqui. Ficamos assim por incontáveis minutos. 
Meus braços deram a volta nela e consequentemente minhas mãos estavam na sua cintura. Ela é pequena, da vontade de apertar forte naquele abraço. O mundo parou por aqueles instantes. Não haviam contas em débito automático. Não haviam fotos a serem reveladas na sala escura. Não havia taxa de embarque. Não havia nada naquela sala sem ser eu e ela. Os olhos fixos capturam a forma perfeita da pequena labareda que consome a cera e o tempo. Sobre a iris escura o reflexo iluminado da chama paralisa a mente que mergulha fundo no abismo de dentro. O olhar permanece firme, não há desvios, é uma estrada reta até o sol. Sobre a pele o perigo eminente do fim sapatilha a vida em um tango suicida. Estamos tão próximos, acho que consigo tocar a alma dela finalmente. 
Ela me curou. O abraço é um dos curativos mais eficazes para as feridas que não sangram. E depois de me curar, ela esta nua no meu banheiro. E a noite engole nós dois. Fizemos amor duas vezes. Ela volta para a cama. Faz meu peito de travesseiro. Passa a unha comprida e pintada um dia antes em formas de círculos na direção do meu coração. "Onde você esteve?" ela pergunta. "Estava por ai, e você, onde estava?" eu indago. "Sempre estive aqui, sempre estive". É nessa hora que ela me quebra e junta meus pedaços de novo. 
- Você fica?
- Eu não vou embora.
Já é de manhã, pegamos no sono. Vejo as caixas de china in box que pedimos ontem no chão da sala. Vejo a blusa dela em cima da cadeira, perto da minha calça. O sutiã dela na ponta da cama. A bolsa dela com algumas coisas caídas. Os sapatos virados. Vejo ela dormindo. As suas curvas sobre o lençol. Ela fez meu coração de morada e me faz acreditar no absurdo que é gostar de alguém. A grande questão é: Ela vai ficar por uma noite, um dia ou o resto da vida?


Nenhum comentário: