2016/06/24

Dia 2285

Então é Outubro outra vez. Ele ia chegar uma hora ou outra. Mas o que tem de diferente esse mês dos demais? Ou esse mês nesse ano dos demais anos? Muita coisa ou quase nada, depende do ponto de vista. Mas Outubro chegou.
Entregue em uma caixa de correio mas dentro uma bonita de veludo e aparentemente feita sob encomenda na cor preta com um laço vermelho grande. Ela recebe a noticia ao 12:02PM que alguém havia deixado um presente. Mas quem? O que? Porque? Mas não era nem aniversário nem nenhuma data a ser comemorada. Que esquisito seria... Ao chegar ela solta um sorriso, sem saber que surpresa inusitada era aquela. Puxa a fita do laço com as unhas pintadas de vinho escuro, de uma auto manicure de um dia atrás na tarde de sexta em casa. O laço desfaz como se fosse em câmera lenta. Sem perceber ela sente o veludo na ponta dos dedos, é uma sensação gostosa que a mente dela gravou com o momento. Você sabe, ás vezes nossa cabeça grava sons, aromas, tatos, todos relacionados á um momento ou á uma pessoa. Igual quando estamos andando na rua e uma pessoa passa por perto com um perfume conhecido. Automaticamente lembramos de alguém que usava o mesmo perfume. Para ela, naquela hora o momento era aveludado.
Ainda com um sorriso no rosto ela abre a caixa que há um relógio de pulso dentro. Um bonito relógio de uma marca conhecida, com alguns brilhos e tão novo que os ponteiros chegam a fazer um suave barulho das voltas que da. Há também uma carta escrita a mão em uma folha que não é sulfite. Um papel mais grosso, como se fosse papel de linho igual as cartas de antigamente. Escrita com uma caneta de ponta fina e preta. Ao tocar na carta ela sentiu receio das palavras. O papel dobrado em quatro partes e a cada volta para desdobrá-la o coração acelerava. E nela dizia o seguinte:


"12 de Outubro.
O tempo passou como esperávamos que passasse. As coisas aconteceram como era previsto que acontecesse. A vida continuou como falamos. Enfim, fomos adiante.
Quis saber de você mas não tenho mais seu número. Minhas redes sociais eu abandonei á alguns meses. Meus amigos começaram a me ligar perguntando se estava tudo bem e que eu havia sumido. Acho que eles gostavam das minhas piadas sem graça na timeline deles. Mas então, decidi te escrever e te enviar esse presente. Cumprir minha promessa, lembra?
Fiquei horas buscando achar um que você talvez fosse gostar. Já faz muito tempo, esqueci muita coisa do que você gosta. Fiz vendedoras de duas lojas diferentes me ajudar na escolha mas no fim acabei escolhendo sozinho em uma terceira que visitei. Mandei pelos correios da forma mais rápida, queria que chegasse exatamente hoje. Estou em Brusque atualmente e antes estava em Pomerode. Antes disso estava visitando montanhas em Urubici. Você sabe, adoro trilhas e o cheiro da grama molhada me fascina.
Fiz um curso antes de sair de São Paulo de fotografia. Estou vivendo disso agora, da um bom dinheiro. E antes do curso passei no médico, me curei daquela minha doença. Espero que ela não volte. Decidi viajar um pouco, brincar de ser nômade. Conhecer lugares e pessoas. Ter novas experiências e quem sabe, aprender mais sobre viver. E é isso. Estou em paz, finalmente.
Esse presente é de coração. É para que se lembre de não deixar o tempo passar. Para se lembrar que a cada minuto as coisas podem mudar então é muito importante que as coisas sejam feitas com certeza e amor. E que pode passar o tempo que for eu não vou me esquecer de você. Afinal, nunca nos esquecemos das pessoas que fazem nosso coração feliz. Seja por um dia, um ano ou uma vida inteira.
Espero que esteja bem e saudável. Espero que tenha aprendido lições e ensinado algumas também. Escrevi essa carta como se antes estivesse tocando sua pele e lhe dando um beijo de boa noite. Independente de onde esteja, espero que esteja feliz. Incluo você nas minhas orações todos os dias. Espero que encontre seu caminho.
Com carinho, B."


A carta ficou molhada com algumas lágrimas. A maquiagem ficou borrada. O coração apertado. E a cabeça? Afogada em lembranças.
Do outro lado, havia um homem de flanela vermelha. Barba por fazer. Brincando com um cachorro de rua na calçada e crianças rindo das histórias de um cachorro que usava capa vermelha no espaço contadas por aquele mesmo homem.
Então é primavera, Outubro outra vez.

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