2018/05/19

Dia 2437

Eu tive medo. Pela primeira vez eu soube o que era medo de verdade. E nada se compara a isso. Levantei na manhã seguinte e seria uma manhã normal, é claro se não fosse a primeira manhã depois de saber que ela esta grávida. Desci, fiz meu café, tomei meu banho, vesti meus sapatos, dei um beijo em sua testa ainda dormindo e sai.
Esqueci de ligar o som do carro. Eu esqueci, toda vez ao entrar no carro e dar a partida se não coloco o playlist do meu celular eu procuro a rádio mais interessante ás 6:50AM. Mas eu esqueci, eram 7:22AM e eu ainda estava no estacionamento segurando o volante com as duas mãos. Não sabia o que pensar mas eu estava com medo. É como se todas as coisas ruins fossem acontecer comigo naquele dia. Quis voltar para a cama mas não voltei.
Depois de mais alguns minutos ali preso naquele transe eu sai e na rua comecei a reparar coisas que antes não reparava. A loja na esquina, temos uma escola a menos de 500m de casa. Idosos em casas que passamos na frente e elogiamos o cuidado do jardim. É como se tudo fosse novo, estivesse vendo tudo pela primeira vez. Enfim, ali, naquele momento eu cresci.
Eu pensava que crescer era arrumar um emprego e talvez ter uma família, se tornar um adulto. Mas crescer é deixar as pessoas que você ama em segurança. O mais seguro possível porque as coisas acontecem. Enquanto elas estavam descansando em casa, eu pisava menos no acelerador no trânsito. Meu maço de cigarros ficou inteiro na porta do carro. Há apenas caixas de leite e suco na geladeira. Passei a pensar "preciso voltar para casa" ao invés de "preciso trabalhar mais".
As coisas mudam, a vida muda. É um universo todo novo agora e senti medo porque é bom. Estamos acostumados a viver sentindo medos que não são nossos. Você cansa, mas não desiste porque sabe que não tem ninguém que lute por você. Está sozinho, está triste, e mesmo assim a única palavra que conhece é lutar. E a luta agora é bem maior, porque todo dia quando eu acordo, penso em voltar para casa para as minhas meninas.

2018/05/13

Dia 2436

Respirar é preciso, não somente no sentido literal, mas parar alguns passos e saber pra onde você está indo. Correr não só te impede de respirar, como também não te deixa apreciar o que é importante nessa vida. E ultimamente andei correndo muito. Hoje, felizmente consegui uma pausa pra mim. Decidi não me importar com meu dia, minha rotina, minha agenda e tudo mais envolto nesse universo que repito semana após semana. Desliguei meu celular - e isso é um espanto até mesmo para mim. Pedi um café naquela Starbucks da Alameda Santos e depois subi para a Av. Paulista. Sentei nas escadarias do prédio da Gazeta quase que camuflado, quem repararia que eu estaria ali sentado?
As pessoas corriam muito. Pensei "Caramba, eu faço isso também. Todo santo dia!" Minha vontade era de ligar para as pessoas que amo e falar "vem aqui agora, esta acontecendo algo incrível". Esse algo incrível é que eu não tinha horários, estava apenas ali sentado e observando o mundo que estou dentro mas por outra visão. É como se eu tivesse morrido e saído do meu corpo e estivesse vendo tudo de camarote. Todas essas pessoas passavam tão depressa que ao relance talvez pensasse que eu fosse um mendigo ou algo assim.
Meu café mocha gelado de R$9,90, tocando Two Coins do City and Colour no fone de ouvido e sentado ali... Pra mim isso é uma das coisas mais legais do mundo. Não preciso me preocupar em pagar nenhuma conta, em ir para nenhum lugar, não ter nenhuma obrigação, me reportar a ninguém. Absolutamente não preciso ter nada na minha cabeça. Eu posso ficar ali sentado por horas observando as pessoas. Rindo de algumas coisas e achando bonito outras. Tendo alguns pequenos delays de nostalgia. Por algumas horas eu posso ser quem eu quiser sentado ali. Ninguém vai me cobrar, brigar, julgar e principalmente tirar a minha paz.
É uma pena estar aqui sozinho. Eu gostaria muito de apresentar esse mundo pequeno, simples e secreto para alguém. Alguém que não corresse e quisesse respirar um pouco também. As pessoas não param mais. Elas não respiram. Mas a vida não vai ser lembrada pela quantidade de e-mails que você conseguiu enviar no dia ou, quantos formulários conseguiu preencher. Ela vai ser lembrada por toda vez que você parou, respirou e viu todas as outras coisas e pessoas a sua volta que você não conseguia ver enquanto estava correndo. E caramba, passei uma tarde inteira aqui sentado. Respirei um pouco hoje e talvez eu precise de respirar um pouco mais amanhã.



2018/05/06

Dia 2435

Aquele beijo tinha gosto de cigarros e cerveja. A verdade é que eu não sei dizer como chegamos até aqui. Lembro de alguns fragmentos, conversas aleatórias sobre o tempo e relacionamentos. Talvez tenha sido na parte que ela disse "A gente percebe que esta deprimido quando passa a implorar todos os dias aquilo que as pessoas só pedem no final do ano." E fiquei pensando em qual seria a última coisa que pedi no ano que passou ou algo assim.
Houve outra parte em que eu não sei o que ela dizia, realmente eu não estava prestando atenção mas os olhos dela eram lindos. Parece clichê de cantada barata mas eu não conseguia parar de olhar para aquela imensidão castanha clara que quando ela virava, a luz sobre nossas cabeças fazia eles mudarem de cor para caramelo ou mel e era tão claro que quando ela ficava de perfil para beber mais um gole no copo eu conseguia ver através deles. E dai ela me perguntava "o que foi?" e eu respondia "Nada!", mas era aquele 'nada' cheio de tudo.
Na real ela parecia uma garota solitária que fodia de vez em quando para não se sentir tão sozinha ás vezes aos sábados a noite. Por outro lado ela era aquele tipo de garota que a gente dedica uma trilha sonora especial da nossa vida só pra ela. Aos meus olhos, ela era sempre linda.
Por fim, creio que foi sobre os assuntos que pensávamos igual. Sobre porque algumas vezes insistimos em pessoas que não fazem nenhuma vírgula na nossa história ou, porque ás vezes nos submetemos a situações das quais só a gente sai com o coração partido? Porque perdemos nossa liberdade e como fazer para recuperá-la? Esses vários porquês que deixamos para lá até algo acontecer. Mas eu não, nem ela. Nós questionávamos tudo. Parecia que tudo tinha que ter uma justificativa para repassarmos ao mundo.
Ao acabar, antes de irmos cada um para o seu lado nos beijamos. E aquele beijo tinha gosto de cigarros e cerveja. Nenhum dos dois ligou para isso. Na manhã seguinte quando virou pra mim coberta com meus lençóis perguntou: "eu posso ficar?" E na minha cabeça as respostas eram "por hoje, por essa semana ou a vida inteira?". Mas a única resposta que eu consegui dizer foi: Eu faço o café.