2024/01/28

Dia 2535

 

Eu fico poema com isso. Quando alguém sabe a brincadeira que queria ter feito quando ouvi algo no ambiente. Quando identificaram minhas negações e desconfortos na sala de estar. Quando me fizeram um café fresquinho e me trouxeram uma xícara quase até a borda sem eu pedir. A batida folk da música no carro quando o farol fecha e o refrão "Durante todo tempo bem do meu lado, lá estava você brilhando, meu raio de luz"

O vermelho Marlboro no batom dos lábios dela e o azul anil no céu. Minha camisa xadrez e botas engraxadas. Barba feita e as chaves na mão. O capricho de perguntar se o perfume combinou. As unhas feitas de propósito. Enfeitada de jóias que ganhou uma em cada ocasião. O timbre da voz baixinho perto do ouvido e a respiração ansiosa no meu pescoço quando estamos envolvidos em um abraço e suas mãos na minha nuca.

Toda vez que te encontro é a primeira vez. Enquanto me apresentava as músicas de sua cantora preferida, eu falava pra você que a gente criaria memórias afetivas, e você brincou no dia dizendo “e logo depois a gente vai se desentender e essas memórias serão dolorosas”. Eu realmente correria o risco de ser para passar todas elas contigo.

Eu fico poema com isso. Tenho casa e durmo nela todos os dias. Mas eu também tenho um lar e meu lar tem os olhos mais bonitos que eu já vi.

Quero tanto ela que hoje deixo a porta destrancada. Deixo as luzes acesas mesmo tendo medo do escuro.

2024/01/25

Dia 2534


Eu estava lá, meio perdido, meio errado, um pouco confuso, talvez incompleto, mas estava sempre lá.

Estava lá quando ela não se encontrava e estava sem rumo. Estava lá quando se sentia abandonada pelo mundo todo. Estava lá quando se encontrou também e quando sentiu que pertencia a algo maior que ela mesma. Estava lá quando fez um amigo novo, quando perdeu um amigo, dois, três, quando se sentiu sozinha novamente.  

Estava lá quando ela perdeu um filho, a fé, a esperança e um minuto. Estava lá quando o cadarço quebrou, quando descobriu uma nova música favorita, quando precisou de um abraço e uma ausência. Estava lá quando perdeu o emprego, esqueceu a senha, as chaves, o celular, o dia do aniversário. 

Eu sempre estive lá mesmo quando não queria estar. Quando não era para estar. Quando não precisava estar. Eu estava lá, meio perdido, meio errado, um pouco confuso, talvez incompleto, mas estava sempre lá.

Eu estou muito errado ou a segunda parte da vida é sobre se curar da primeira? No meu túmulo estarão gravadas várias datas, é que me vi morrer diversas vezes nesta vida. E descobri que para viver essa vida a gente precisa morrer uma centena de vezes para viver apenas um momento.

2024/01/06

Dia 2533

Hoje na terapia me falaram que eu devia dizer como me sinto. Mas porque? Que diferença faz. As pessoas só acordam nas partidas. Ninguém dá a mínima enquanto você está ali cansado ainda tentando salvar o navio afundando. É triste mas é verdade. E de navios afundando eu sempre fui o último passageiro. Sempre vendo todas as partidas e logo depois caindo na imensidão do oceano. 

Então, pra que dizer como me sinto se o navio vai afundar? Como sei que ele vai afundar? Porque pelo que vejo, sou o único tentando tirar a água que transborda aqui de dentro. O único tentando tampar os buracos no casco. Mas e se eu colocar uma boia e me salvar? E se dessa vez eu ser quem vai partir? E se dessa vez eu abandonar o barco primeiro?

Acho que o mais importante é estar com alguém que mesmo que você esteja sozinho, não se sinta sozinho. O que isso quer dizer?

Eu estava sentado em um desses lugares que vende café, caldos e bolos tomando um expresso quente. Um caderno e caneta sempre me acompanham ao lado da carteira e celular e por mais que eu não escreva muito nele, sempre levo caso eu me perca em devaneios. Dia cheio, muitas coisas para resolver, só problemas desde cedo. Um dia bem pesado mesmo. Fora todas as coisas na minha cabeça. E com a xícara na metade e caderno aberto ali, naquele momento eu não me sentia sozinho. Eu sabia que se eu mandasse uma mensagem com qualquer conteúdo iria voltar com carinho. Se eu ligasse, seria mais ainda. E se eu não fizesse nada, só terminasse o café, pagasse e fosse embora ainda assim não me sentiria sozinho, embora estivesse sozinho. Porque no fim do dia ao voltar pra casa eu teria a certeza que teria alguém esperando meu boa noite.

Entende? Estar sozinho é bem diferente de ser sozinho e não nascemos para sermos sozinhos. Pois então, chore. Quando uma pessoa chora, nunca chora pelo que chora, mas sim por todas as coisas pelas quais não chorou em seu devido momento. 

Mais um porto, ancorado. 

2024/01/03

Dia 2532


Querido diário,

Tá foda!

Todos nós somos uma história mal contada, um livro que arrancaram uma folha no meio de um desfecho decisivo da trama. O outro sempre vai ser a parte que preenche esse vácuo de acontecimentos vindo com a página cheia de aventuras e reviravoltas. Vindo com aquele andar esquisito ou aquele perfume que só ele tem. Bem aventurados são aqueles que se querem e se tem. 

Cuidado, a carência faz você ver amor onde não há. Mas olha só você, acolhendo pessoas com palavras que gostaria de ouvir. Abraçando demorado como gostaria de receber. Pegando na mão em publico, tomando a iniciativa. Olhando no fundo dos olhos como se despisse a alma que chega a ser constrangedor como se realmente houvesse um momento nu entre a porta do quarto e a sala, de surpresa. E esse espaço entre o quarto e a sala é sobre seus pensamentos e seus sentimentos. A pergunta que fica é: quem realmente te viu despudorada assim?

Eu deixei uma pessoa que eu amava muito para trás. Desculpa, não sei porque estou chorando.

- Porque dói.

É, dói.

PS: para você, que me fez ver coisas que eu não teria visto.