2017/11/29

Dia 2414

Imagine um acidente de carro bem grave. As pessoas estão feridas, há sangue nas mãos. Você esta tonto e desnorteado pela batida. Tem pessoas gritando. Cheiro de gasolina. A visão fica embaçada. A sirene do resgate faz luzes nas paredes em volta. Começa uma dor muito forte no peito, a cabeça lateja. Se sente enjoado. Parece que vai desmaiar. Senta no meio fio da calçada desacreditado de tudo. Você cai para o lado. Os olhos começam a fechar, a escuridão aparece. Vem a solidão e te abraça. Você esta calmo. Os olhos fecham completamente. Há muito silêncio agora. Tudo fica quieto.
Agora imagine a areia fofa e branca da praia. Limpa, leve. As ondas do mar massageiam as pedras jogando água para cima e escorregando de volta para baixo. A brisa leve e passageira acaricia seu rosto, o cabelo voa no sentido do vento como se fosse um carinho. O sol esquenta a pele como se fosse o corpo quente de um amante depois do sexo. Ouve-se ao longe o som de crianças rindo. O horizonte parece infinito. Há muita paz aqui, não tem horários ou compromissos. É o incrível encontro consigo mesmo. Você se sente completo, feliz. Nada de mal pode acontecer agora. 


Bom, assim são meus dias ou boa parte deles. Creio que seja assim para a maioria das pessoas que tem ansiedade. Não digo "sofrem de ansiedade" porque temos. É como ter uma unha encravada ou um dente torto. Esta ali, presente e tão presente que quase sempre nos acostumamos com isso embora as pessoas em volta não. O corpo fica tenso, existe uma necessidade de se movimentar fisicamente (mexer pés ou mãos e inquietação em geral), a respiração está mais acelerada e o pensamento fica agitado (muitas ideias passam pela cabeça de forma acelerada). Algumas vezes a cabeça fica confusa e não se sabe direito o que se quer. Falaram para que eu controlasse minha respiração. A frequência respiratória precisa ser diminuída. Deve se inspirar lentamente e encher o pulmão em mais ou menos 75%. Em seguida deve-se expirar e tirar todo o ar do pulmão, com a ajuda do diafragma, também de forma lenta. A respiração tem a capacidade de controlar o corpo e a mente. Os pensamentos precisam sair da mente junto com o ar expirado. Aham, é claro que sim!
Quando as coisas fogem do nosso cotidiano normal, da rotina, do que parece ser natural... Esses são os dias de acidente de carro. Entenda que quando um problema novo se configura a nossa frente, a solução não está na mente, não está no pensamento, e sim no fato em si. Quando for possível, olhamos para o novo, procuramos entendê-lo, aumentando as suas informações e o conhecimento sobre ele. Por isso fazemos tantas perguntas sobre tudo, o tempo todo. Não buscar referências anteriores, pois isto aumentará a ansiedade. Se não for possível olhar para o problema procure não pensar nele, tentar distrair a sua mente com outra coisa, brigar com ela para não pensar na entrevista e em suas consequências. Aceitar a falta de controle, abrir mão da prepotência da mente, e entender que não somos deuses superpoderosos que tudo podemos controlar. Uma parte de nossa vida tem que entregar a Deus, ao destino, à sorte e… Seja o que Deus quiser… Problemas e novidades se resolvem com ação e não com pensamento, é preciso fazer o melhor que está a nosso alcance, focado, ligado no real. O que está além do nosso melhor esforço não podemos controlar, por mais que o desejo seja de controle da situação para que nada saia errado ou que ninguém se machuque.
Quando passeamos com o cachorro, pagamos as contas, damos um beijo em nossas esposas e maridos antes de sair para trabalhar... Esses são os dias de praia. Conseguimos focar no trabalho, nas atividades cotidianas e nem o pior dia do mundo dentro do ônibus lotado interfere no humor ou na nossa paz. O sono é o mais tranquilo de todos, como se não tivéssemos problemas e boletos para pagar. Aceitamos tudo, tudo esta bom. Até aquele jantar chato em família se torna uma coisa simples e aturável. Apesar das fobias serem incapacitantes, elas não são óbvias à todo instante. De fato, elas não podem vir à tona até que você enfrente uma situação específica e descobre que você é incapaz de superar o seu medo. Até então, basta uma vírgula fora do contexto para que o mundo desabe. Para alguém como nós, uma interferência na nossa vida é o efeito de 10 bombas atômicas e o pequeno vira o fim do mundo. Pode crer, ja enfrentamos o fim do mundo várias vezes mas continuamos aqui.
A gente tira algumas algemas para fazer uma corrente, abrindo algumas portas da mente. Porém a maioria acha que é ‘frescura’, que é drama, encenação da pessoa para ter atenção. E não é. É sufocante. Paralisador. Dói muito. Uma dor física, até. Por eu não ter esse entendimento por parte das pessoas perto de mim, mesmo tentando explicar acabo me fechando mais e mais todos os dias e passei a sofrer meus ataques de ansiedade/pânico sozinho, o que é muito pior. Se você também luta contra a ansiedade, saiba que não está sozinho. Alguns dias são difíceis mesmo, mas uma hora o sossego há de chegar pra cada um. E pra quem não tem, mas conhece alguém que tem, pra quem conhece a mim, respeite essa pessoa, me respeite, não nos julgue. No fim estamos todos tentando sobreviver a nós mesmos e a esse mundão, mas algumas pessoas têm batalhas maiores que as outras. E principalmente, tenham paciência e amor. Ás vezes estamos ferindo as pessoas fora sem perceber, mas dentro de nós a ferida aberta é cutucada todo santo dia repetidas vezes. A briga não é contra o mundo, é contra nós mesmos. 

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