2020/10/06

Dia 2496



Esse é grito seco, um pedido de socorro a todos aqueles que podem me ouvir. Um apelo simples mas verdadeiro. Mas lembrem-se, uma lágrima já começou com um sorriso. E é exatamente assim que começo esse texto: Sorrindo.

Foi muito, muito rápido. A luz da garagem acendeu, a porta o carro bateu. O motor ligou e logo em seguida o farol fechou. Eu não vi o farol fechar. Eu juro por Deus que eu não vi. Depois o silêncio, o vidro quebrado e a fumaça. É sempre um clichê de filme americano dizer que a gente vê a vida inteira passar diante dos olhos quando vai morrer. E naquela noite, então, eu morri.

Perdi a consciência por alguns segundos, acabei vivendo dois anos preso naquele silêncio. Comprando uma história, minha alma estava à venda. Perdi a consciência de novo. Tentei alcançar a vida com as mãos mas ela escorregou, passou entre meus dedos devagar. Eu acordei, vi o céu mais azul da minha vida ser o telhado do mundo inteiro. Fiz uma oração e fechei os olhos novamente.

Eu não reconheço mais as pessoas que eu convivo. São todos rostos estranhos e eu não me importo mais. Acho que não consigo amar mais ninguém. Perco a atenção sobre qualquer coisa, o tempo todo. É só mais um e-mail, mais uma ligação, mais um ponto a bater ás 18hs, mais um "débito ou crédito senhor?", mais um boleto, mais planos e planos que nunca saem do papel. Dizemos "é a vida" e essa é a expressão mais triste do mundo.

Hoje no farol não houveram pedidos de desculpas, declarações de amor, um abraço apertado, um beijo apaixonado, um carinho nos cabelos, uma gargalhada alta no meio do domingo entediado. Não houve tempo. E eu não consegui comprar mais. 

Ás vezes tudo que a gente precisa é um tempo simples, um gesto honesto cheio de querer. Ás vezes tudo que a gente precisa é um "ouvi essa música e lembrei de você", ou "vamos dar uma volta?" e ainda "levanta dessa cama, olha esse dia". Ás vezes tudo que a gente precisa é ouvir uma música do Charlie Brown, assistir um filme que revire nossas ideais e discuta sobre a imensidão do universo. Conversar sobre qualquer coisa sem sentido só pra fazer rir. Ilustrar o capitão gancho e as outras coisas. Tocar violão sem saber tocar, usar uma guitarra imaginária e um microfone para uma plateia de cem mil pessoas que não estão lá. Ás vezes tudo que a gente precisa é de companhia.

Hoje, um relógio parou e uma lágrima caiu.


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