2025/03/22

Dia 2565

 

O café estava morno. Esquentei, mas o gosto já não era mais o mesmo. Essa conversa não é sobre café.

Está todo mundo meio receoso sobre amar alguém, sobre se entregar para alguém e se apaixonar novamente. Talvez porque um dia, confiaram tanto e amaram de forma limpa e fiel, e mesmo assim tiveram uma das maiores decepções das suas vidas. E eu entendo tudo isso, mesmo acreditando no amor eu não acredito tanto nas pessoas. Talvez também seja por isso que existem tantos sorrisos chorando por ai.

Me pergunto se algum dia irão observar meus pequenos detalhes de novo. A ponta dos cílios mais claros que fazem reflexos no sol. Que quando quero sair de um lugar fico olhando todo o ambiente em volta com frequencia mesmo que a companhia seja boa e quando quero ficar, foco nos olhos enquanto conversamos e peço mais uma cerveja. Que aprecio lugares calmos, tranquilos e sem muitas pessoas, lugares desconhecidos pela maioria. Que o café precisa ser meio amargo, meio doce. Ou que me digam qualquer novo detalhe que eu não sabia e que nunca me disseram antes. 

O mundo já tem muitas vítimas, vamos tentar ser a esperança de alguém. Vamos tentar ser a confiança e o outro lado da moeda. A parte que não fica culpando a vida e os outros pelas coisas, mas sim a que passa por cima e segue adiante. Os 30 segundos atrás já foram, mesmo que tenham doído. 

Um abraço, um café quente fazem a diferença.

2025/03/05

Dia 2564

Os monstros nunca estiveram debaixo da minha cama, porque os monstros estavam dentro da minha cabeça. Não temo monstros pois, monstros eu não mais vejo. Porque por todo esse tempo, ser o monstro é o que mais desejo.

Descobri que esse auto-flagelo é educação, é controle, é padrão, é sustentação de um ideal futuro. Um modo de determinação para chegar a um objetivo sem que os monstros saiam.

Tem um lugar, um lugar na minha mente que não é bom. Ninguém deveria ficar lá sozinho.

O preço da lucidez é muito alto, é quase impossível manter a mente intacta enxergando com clareza a maioria das coisas, algumas vezes você tem que se fazer de cego, fingir que não viu, sair e dizer que não sabe, só pra não poder pagar essa conta. E essa conta é alta, cara demais.

Mar calmo também afoga. Silencio mata mais que uma bala. Eu sei, aqui dentro está uma bagunça, os antigos moradores não cuidaram desse lar de aconchego. Ainda está meio quebrado, estou juntando os cacos, remendando os retalhos, organizando a bagunça que se faz em mim. As paredes rachadas, janelas embaçadas e o jardim abandonado, já não traduzem a beleza que outrora se mostrava.

Já fui monstro, já fui o mar,  já fui o silêncio e hoje sou o casarão abandonado que decidi reconstruir. Vai dar trabalho, estou reforçando algumas paredes, passando um pouco de tinta e plantando novas flores no jardim. Quem sabe um dia passando pela frente, sentirão o cheiro das rosas e observem as cores coloridas. Entre, fique a vontade. Só não repara a bagunça.

2025/02/24

Dia 2563

Eu mereço alguém que saiba que eu não sou a pior pessoa do mundo. Que o que eu quebro, dá pra concertar. Eu mereço alguém que me faça perceber que nunca houve nada de errado comigo. Que meus defeitos eram descartáveis em meio a imensidão de algumas qualidades únicas. Eu era singular. 

Temos mania de estarmos em muitos lugares, estando em um lugar só. Não nos damos conta que precisamos de tempo e espaço no mundo para olharmos para dentro de nós mesmos.

Eu sempre me senti deslocado, como se vivesse em uma frequência que ninguém mais ouve. Entendi, enfim, que sou a rádio pirata que poucos vão encontrar em meio a um sinal ruim. Tocando músicas que ninguém mais ouve e que falam sobre o coração, solidão e como é linda essa vida bohemia.

Mas vai haver um dia, um dia em um futuro incerto, em um momento qualquer, de uma hora inesperada que vai aparecer uma reflexão do porque toda a luta, a dor, a angústia e tristeza fizeram sentido e o levaram até aquele momento. E finalmente entendeu o vislumbre do fugaz momento de estar feliz. E esse momento que dura tão pouco, faz valer todo o resto e você perceberá que em meio a essas memórias póstumas, talvez seja amor quando você for o domingo de alguém.

As pessoas não escrevem mais sobre isso. É uma pena.

2025/02/15

Dia 2562

Era uma noite qualquer e eu precisava de todas as palavras gentis que um dia já ofereci a alguém.Trocamos olhares profundos e depois nunca mais nos vimos igual. Mesmo depois de tantos anos, aquele era nosso primeiro dia de novo. Não havia tempo, obrigações e o mundo lá fora já não importava mais. O quarto se confortava com nós dois nus na cama apenas sendo nós mesmos.

Minha língua no corpo dela engolindo poesia. Devorava cada página com tanta vontade que cada vez mais a história fazia sentido. Suava, arrepiava, gozava e sentia. Como sentia. A felicidade gemia, escorria pela perna trêmula e entrava devagar. Sorria, meio tímida olhando na iris dos meus olhos. 

Eu te lia com as mãos e te devora com os olhos. Queria saber o que tinha no próximo capítulo. 

Quando tudo terminou havia silêncio, banho tomado, roupas confortáveis e abraço. Cheiro no cangote, mão na mão mas nenhuma palavra diferente. Às vezes o amor é isso, um silêncio não desconfortável que poderia ser traduzido em qualquer palavra mas não é. É o toque, o carinho, a presença, o olhar, o sorriso ou tudo isso acontecendo, sendo diluído no tempo e rotina. Hoje em dia, olho no olho é caligrafia e eu consigo escrever sua poesia.

2025/01/09

Dia 2561


Nada quebrado.

Nada faltando.

Nada fora do lugar.

Eu estou bem. Só não posso pensar, não posso lembrar e não posso ficar sozinho. Na maioria dos dias, eu acordo e me forço a levantar da cama antes do próximo despertador tocar. Sinto a primeira vitória do dia. Já é 1x0 pra mim. Lavo o rosto, 2x0. Preparo um café e os ovos mexidos. 4x0. Um banho gelado, roupas passadas e um perfume. 7x0. Sapatos e o botão do elevador. 9x0. Virei a chave do carro. Foi um dia de vitória. 

Mas em alguns dias, alguns dias parecem semanas em um único dia. Dias intermináveis, despertadores infinitos. O olho nem abre e a comida não tem gosto. Nem me lembro o que comi. O café que tanto é eficaz hoje decidiu não ser. A água caindo no meu corpo parecem mil alfinetes caindo todos de uma vez. Nenhuma roupa fica boa, parece que ganhei peso ou esqueci de lavar a camisa na outra vez. E o perfume? Esse acabou. O cordão do sapato estoura e o elevador está fora de serviço. O carro não dá partida. O que mais posso fazer?

A música da rádio diz que está tudo bem e eu repito o refrão incontáveis vezes até acreditar realmente. Alguns dias eu venço, outros não. Eu tento não pensar tanto, lembrar tanto e sempre que possível, estar perto de pessoas com bom coração. Mas como é difícil encontrar pessoas assim hoje em dia. Se uma pessoa ocupada decide se preocupar com as suas merdas mesmo com tanta coisa pra resolver, significa que ela realmente se importa e não está apenas querendo cuidar da própria solidão. Porque no final, todos somos solitários, românticos e esquecidos. 

Shalom.

2025/01/01

Dia 2560

 


Tenho um jeito meio quieto de ver a vida. Gosto de como o céu muda de cor no fim da tarde, de como as pessoas sorriem distraídas. Acho que o mundo é mais bonito quando ninguém está tentando nota-lo. Aquele momento foi tão bom que eu nem tirei foto, sabe? 

Tudo na vida tem seu tempo, o café que queima sua boca agora, daqui 30 minutos estará frio. Já parou para pensar quantas pessoas já te conhecem em uma versão sua que já não existe mais? 

Somos uma utopia, meu bem. E isso nunca vai mudar. Quando a gente entende que ninguém tem a responsabilidade de cuidar da nossa dor, a vida começa a ficar mais fácil. Projetar nos outros aquilo que depende de nós é um baita erro, eu precisei passar por muitos perrengues para entender que nem sempre haverá um colo e uma mão estendida e isso é porque cada um tem seu processo particular. Às vezes o outro não demonstra, mas cada um tem seu fardo para carregar, viver é assim tem suas fases. Vão ter dias que nós mesmos vamos ter que nos consolar, e maturidade é isso entender que não é porque o outro não nos ajudou que ele deixou de nos amar. Cada um tem seu corre e luta, nem sempre o outro vai poder ter a disponibilidade de guardar sua própria dor no bolso para nos ajudar.

Se você conseguir entender isso com leveza e sem culpa, você entendeu a piada até o final.

2024/12/28

Dia 2559

Você nunca encontrará a mesma pessoa duas vezes, nem na mesma pessoa. Somos feitos de destroços do que um dia foram nossos sonhos, somos uma colcha de retalhos, de quadros que já não fazem mais sentido. Somos suturas mal feitas e sangramento não estancado. Somos falhos, doloridos e reais. Somos a continuação de um fim, de ciclos, de dores, de amores. Continuamos, mesmo quando sentimos que não exista mais motivos para. 

Cuide bem enquanto der, mas cuidado. Às vezes o gelo da pessoa não combina com o seu calor.

É bem provável que você ainda se apaixone umas cinco vezes durante o restante da sua vida. Chore por “amor” algumas tantas outras. E diga “Eu te amo” para alguém em alguns momentos. Mas, sempre haverá uma pessoa, não uma simples pessoa. É aquela bendita pessoa, que vai te fazer perder o sono, ouvir músicas estúpidas, sorrir para o cachorro Pit Bull do vizinho, ler piadas para saber como fazer tal pessoa rir, assistir filmes que não gosta, e aprender a cozinhar. Não é uma tarefa fácil. Até porque, estudos comprovam que não é sempre que ficamos com quem amamos de verdade. De qualquer modo. Cuida dessa pessoa direitinho, aproveita cada bobagem. Vale a pena.