2017/01/24

Dia 2353

Hoje uma mulher puxou conversa comigo no metro. Mais uma garota solitária falando sobre o tempo. Se você quer puxar papo com alguém em São Paulo é só falar sobre o tempo. Aqui é bem doido, faz sol e chove e depois faz sol de novo tudo isso em quinze minutos. Ela começou falando sobre o frio do vagão por causa do ar condicionado e depois quando percebi ela já estava falando sobre a minha pulseira e o apartamento dela perto da estação Conceição. Fiquei pensando em como aquela garota devia ser sozinha para tentar conversa com um estranho que nunca viu na vida, ás 6 da manhã dentro de um vagão de metro de uma terça-feira qualquer. 
Imaginei se poderia falar com ela sobre meus sonhos, desejos, angústias, medos e frustrações. Até sobre minha noite fodida de ontem. E dai? Ela é uma estranha, não vai se importar em me ouvir assim como eu estou a escutando faz 5 estações. É uma troca justa. Mas quem sabe ela só queira ser escutada e não escutar. A maioria é assim. Quando gritam querem atenção, mas quando gritam com elas preferem o silêncio. E também, quando chegasse na parada dela cada um seguiria seu caminho. Assim, sem dor nem sofrimento e muito menos saudade.
Se eu fosse apostar, diria que ela tem entre 27 e 30 anos. Terminou algum relacionamento recente porque no dedo direito ainda tem a marca de sol da aliança. Trabalha em escritório porque usa um blazer chique mas não muito chamativo e um sapato de salto mas não muito alto. Calça de linho, preta e uma camisa social branca. Quase nada de maquiagem, só um batom básico para tirar a palidez dos lábios um mais grosso que o outro. Brincos pequenos e cabelos sobre os ombros. Uma correntinha fina folheada a outro no pescoço. Fone de ouvido saindo da bolsa parda escura. Penso em algo como um forró universitário ou sertanejo meloso. Mas quando puxa o celular da pra ver que ela ouve Dido - Thank You. Eu gosto de Dido. Quem ouve a Dido hoje em dia?
Fala sobre como gosta de ficar deitada no sofá assistindo séries de camiseta dois números maiores que ela e da risada do próprio comentário. É aquele tipo de riso desesperador como se soubesse que não deveria estar falando tanto com alguém que acabou de conhecer. Fico olhando ela falar mas não me pronuncio, também não a ignoro. Deixo ela falando mas não emendo nenhum assunto ou faço algum comentário que vá estender aquela conversa desconcertante. Comentou que os pais moram em outra cidade e que não tem irmãos. A filha única mora sozinha. Deve ser um saco voltar para casa e não ter com quem conversar. No máximo dar comida para o animal de estimação e ficar sentada em frente a tv. Acho que ela, essa garota, precisa de alguém que a tire da rotina. Que bagunce a vida dela, mas que fique pra arrumar tudo depois.
Se eu fosse apostar mais ainda, diria que ela tem um monte de livros na estante mas que só leu até o fim alguns deles. Que ela tem algumas calcinhas que usa em dias específicos, quando a alto estima dela esta mais a favor. Que ela tem uma tatuagem secreta que não mostrou para ninguém e fez quando era bem mais jovem. Que ela anda com passos curtos porque fica encabulada em público, principalmente quando olham pra ela. Aposto que essa garota faz uma oração baixinho antes de dormir. Que ela liga o ventilador mas se cobre com o cobertor e que sua comida favorita é algo bem comum. 
Sei lá, não parece que ela vai quebrar o coração de alguém. Só aparenta que ela esta cansada de estar sozinha. Que ela esta cansada de ver sites de viagens mas não programar nenhuma porque queria companhia pra decidir qual hotel ficar. Esta cansada de ver as amigas namorando e casando nas redes sociais e ninguém aparecer. Por isso ela tenta e tenta, tenta desesperadamente cometendo erros encontrar alguém. Alguém que a ouça, nem que seja só até a próxima estação. Estação Sé - Desembarque pelo lado esquerdo do trem. São 6:32AM. Um "até logo" e "a gente se esbarra por ai". São Paulo, 12,04 milhões de pessoas e "a gente se esbarra por ai". É, quem sabe.



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