2014/10/14

Dia 1979

Eu não entendia sabe? Eu não sabia dar um porque ou então dar um jeito de fazer acontecer. Havia perdido noites de sono pensando no que fazer e não achei nenhuma saída. "Vou tentar mais uma vez, da próxima já era" pensava...
O lance é que eu dei muitas próximas vezes. Mas eu também era um idiota então não podia exigir muito. Mas mesmo assim, uma hora chegou e os mundos não se pertenciam mais. E a única defesa que eu tive foi terminar tudo. Bem ela aceitou tudo de inicio aparentemente muito bem. Quando caiu a ficha sobre como é fácil arranjar companhia por ai é que começou a bater o desespero. 
E por algum tempo eu quis esquecer ela entende? Eu queria poder sentar e dizer "esta tudo bem agora". Mas amor, muitas vezes é como um câncer que mesmo que tiramos o pedaço contaminado ele já tomou conta de tudo e não há mais volta. Dai você pensa 'Nossa, que coisa horrível ele comparando amor á uma coisa tão ruim." Na verdade não. Pergunte á um paciente com câncer, quais seus valores hoje e antes de descobrir o câncer. Um paciente com câncer teve contato com o verdadeiro, com o que fica realmente e o que vale a pena até o fim. É o que o amor verdadeiro ensina aquelas que sabem enxergar isso - o que realmente vale.
Bem, quando eu fui embora e não queria mais dar as caras ela sempre voltava. E ela vinha e eu mandava ela embora, sempre nessa ordem. Eu destratava ela o que foi meu maior pecado cometido até hoje. Me arrependo disso. Acho que é a primeira vez que falo sobre isso, aqui, nessas linhas tortas esquecidas por Deus.
Ela vinha sempre aqui. Os dias que eu voltava pra casa e via onde ela se sentava, aquele lugar normal sem a presença dela me dava vazio. Sim, me dava vazio. Era como cair pra dentro sem nenhuma corda pra se segurar. 
Quando ela estava lá eu ficava meio catatônico. Eu brigava e mandava ela embora de volta pra casa dela mas na verdade não era isso que eu queria. Eu estava com outra pessoa já, porque como eu disse arranjar companhia é muito fácil. Só que é foda quando você sabe que não vai dar certo aquilo mas quer acreditar que é possível. Você sabe que não vai dar certo, a pessoa sabe que isso não vai dar certo. Todo mundo sabe. Continuar com aquilo era enganar três pessoas: Ela, a pessoa que eu estava e a mim mesmo.
- O que você esta fazendo aqui?
- Não sei. Eu só quis vir. 
Ela deu dois passos e me abraçou. Começou a chorar, o choro mais sentido que eu senti em toda a minha vida. Ela derramou todas as lágrimas que eu nunca consegui fazer sair de mim. Eu a abracei de volta, não sabia o que fazer, o que dizer. Nessas horas é melhor não dizer nada mesmo. Com os olhos fechados tudo que eu mais queria era tirar toda a tristeza dela. Como se de alguma forma com a ponta dos dedos eu conseguisse atravessar sua pele e ossos até encostar em seu coração, tomá-lo em minhas mãos e apertasse bem firme até escorrer toda aquela angústia.
É foda, aquilo me abalou como se eu tivesse tomado um tiro ou algo do tipo. Depois daquele dia eu sabia o que eu tinha que fazer e eu fiz. Ainda estou aprendendo a não ser tão idiota e ser mais paciente, confiante e intuitivo. 
Uma vez conheci um inglês que disse "Se você quer saber quem mais gosta de você, fique doente. Vai ser a primeira pessoa á aparecer no hospital." Adivinhem só, estou no hospital. Tenho câncer, do tipo irreversível de cura. Ela esta sentada na cabeceira da minha cama lendo alguma matéria de revista. Meu câncer não é do tipo que a gente morre, ou melhor... É, mas a gente continua vivendo. Não é do tipo que a gente tem que tomar remédios, é mais aquele tipo que a gente da bom-dia todo dia e escreve "eu te amo" em letras garrafais por ai. Porque agora eu sei o que é importante. É ela, sempre foi e sempre vai ser... Ela.

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