2014/05/31

Dia 1864


Eu me lembro de tudo. Eu me lembro. Era 13 de julho de 2010. Eu tinha R$3,00 na carteira. Tinha recebido uma noticia ruim. "Mas que se foda, quem liga?" - Pensei. Quando sai andando sem nem perceber em que universo estava, rapido me deparei fugindo de carros em faixas de uma via expressa. Eu tinha acabado de completar 18 anos e estava cheio de sonhos. Mas e quem liga não é verdade? Fratura no braço. Costela quebrada. Fratura no crânio. E ainda ganhei uma dor no joelho de quebra. Fora a perca de memória, o coma temporário. Ainda lembro de não conseguir dormir por causa das dores e dos pesadelos de ser arremessado contra a grade de segurança e depois sentir o gosto de sangue na boca porque havia descido do nariz. Ah é, esse foi só um corte pequeno. Mas, como contar para alguém se eu nem me lembrava porque estava deitado enfaixado na maca da porra de um hospital. As cirurgias reparatórias de estragos. A recuperação. Um inferno, mas eu sobrevivi.
Novembro de 2010. Ok senhor delegado, prometo depois de assinar esse boletim de ocorrência que jamais quebrarei outro carro com um taco de beisebol. Só para o senhor não ter que ver minha cara mais seu gordo fétido, aproveitador e sangue-suga. 
Abril de 2011, conhecendo estrelas e descobrindo universos. Ainda cheio de sonhos estava quando em janeiro de 2012 perdi tudo. "Eu tenho que continuar tentando" - pensava. De alguma forma essa vida tem que dar certo. Mas, bem-vindo ao mundo dos que não conseguem dormir, dos que fumam baseado esperando encontrar o nirvana, dos que não tem um puto na carteira, dos que viram a noite em bares e voltam sozinhos pra casa, dos que beijam garotas na portaria do prédio mas nunca se deitam nas camas delas, daqueles que a estimativa de vida em um ano cai pra 0, dos que trabalham de madrugada e de dia não dormem porque ainda buscam seus sonhos... Eu era um nada. Não conseguia nada. Não buscava nada, eu só tinha meus sonhos. Eu era o desgraçado que escrevia sonhos.   
Amor me pareceu alegre, enquanto segurava meu coração nas mãos, e nos braços minha dama dormia, envolta num véu... Ele a despertou então e, trêmula e obediente, ela comeu o coração ardente. Chorando, ela o viu partir para longe.
Eu pensava "Tô numa fase complicada, meio estranha. Se me falam "oi" eu desconfio, se me dão "tchau" eu desabo. Tô numa fase que quero mudar tudo e também deixar tudo como está. Tô numa fase de querer ter alguém, e não querer ver ninguém.
Tô numa fase... E que fase!"
2012, em uma entrevista de emprego "E ai quando você pode começar com a gente?" mais me parecia ela perguntar "E ai, quando você vai pegar sua vida de volta?". E eu a tomei. Casei com a minha vida de volta, fiz amor com ela. Acordei no dia seguinte e até meu café da manhã tinha outro sabor. Foi a transgressão mais dificil até agora. Sabe como é? Perder todo o sentido e rumo e ter que correr atrás de tudo isso novamente? É provável que não. Alias, ninguém sabe disso ao menos que eu conte a elas. E elas veem o que eu quero mostrar. Mas deixa eu mostrar o meu show agora. 
Ja fui chamado de "desgraça", de "a pior coisa que aconteceu na minha vida", entre outros. Mas ser chamado de "desilusão" é a primeira vez. Por isso que quando eu recebo esse tipo de direção me bate aquela raiva filha da puta sabe? Porém, pobres ignorantes não sabem de nada da história. Eu era o sonhador que largou os próprios sonhos para realizar o de outras pessoas e sabe o que eu ganhei com isso nesse tempo todo? Nada. Absolutamente zero. Então se me afasto é porque não quero fazer mal á quem um dia fiz o bem. Então eu deixo tudo passar, abstraio o que da e o que não levo comigo. 
Não é nada incomum no meio de um jantar você me ver pegar o guardanapo, escrever algo e envolve-lo em dobras e coloca-lo no bolso. Eu faço muito isso. Porque continuo a escrever meus sonhos.
Eles não sabem nada de historia. Eles não sabem nada sobre sonhos.

Nenhum comentário: