2016/09/26

Dia 2323

São Paulo, 14 de Fevereiro de 2091.

Filho, provavelmente você vai receber essa carta e não vamos mais estar aqui. É quase certeza. Mas saiba que te amamos muito. Queria que soubesse de algumas coisas, coisas importantes que talvez salve seu casamento um dia.
Eu conheci sua mãe em 2014 mas só nos falamos pessoalmente em 2016. Demorou dois anos pra eu tomar coragem e chamar ela para sair. Na verdade, não foi isso. A verdade é que Deus estava preparando nós dois. Eu estava em um caminho e ela em outro, aprendendo nossas lições é claro. E em 11 de abril de 2016 eu me apaixonei pela sua mãe. 
Eu fiquei sentado em frente a faculdade na sexta feira esperando ela aparecer e ela não apareceu. Até hoje eu não sei porque fiz isso, mas eu queria vê-la mesmo que de longe. Depois de dias conversando e ela aceitar meu convite para um café - Era chá, ela sempre gostou do Matte com leite - eu fui novamente até aquela faculdade. Pode acreditar filho, ver ela sentada naquele banco azul Royal com os cabelos escondendo o rosto foi a sensação mais gostosa do mundo. Borboletas no estomago, passarinhos cantando e essas coisas que falam por ai eu senti tudo naquela hora. 
Começamos a namorar rápido, eu fui morar com ela mais rápido do que pensávamos na época. Começamos a fazer planos de comprar carro e apartamento e de nos casar também. Bom, eu queria dar um sonho pra ela. Cada pedacinho daquele lugar, cada enfeite, cada flor e todos os mínimos detalhes tinha que ser pra ela. Sua mãe sempre foi uma mulher muito linda filho, não poderia ter menos do que uma linda vida. E uma risada ao menos no dia. Minha meta pessoal era fazê-la rir pelo menos uma vez no dia. Se ela não risse de mim ou para mim parecia que o dia não tinha sentido. Parecia que era apenas uma manhã cinzenta em São Paulo e nada mais. Mas se eu conseguisse fazê-la rir ou sorrir, era um dia de vitória para mim. 
O começo foi um pouco conturbado, ainda tínhamos muito á aprender entre nós dois. Um tinha que relevar mais que o outro certas horas. Ela se chateou muito comigo pelo fato de eu ter a cabeça muito atrapalhada. Eu não queria mágoa-la mas ás vezes acabava acontecendo. Ela também era muito teimosa, tinha um gênio difícil. Tivemos muitos problemas com nossos temperamentos. Teve uma vez que ficamos dois dias sem nos falar direito. Ela era orgulhosa e eu também. Os dois queriam ter razão. O motivo hoje eu já esqueci, mas depois de dois dias eu arreguei. Eu não queria jogar a toalha mas acabei levantando a bandeira branca. Eu só queria abraçá-la e não mais mostrar que eu estava certo e ela errada. A verdade era que os dois estavam errados. Aprendemos. Aprendemos a conviver juntos e ela se tornou a minha melhor amiga. Tudo que eu via por ai ou que acontecia comigo ela tinha que ser a primeira pessoa a saber. No fim do dia, contávamos um para o outro como nosso dia tinha sido e sempre rolava uma pontinha de saudade de querer estar junto. A gente discutiu muitas vezes sim, por vários motivos. E com o tempo, aprendemos a não discutir tanto. Ás vezes ela relevava, ás vezes eu. Ás vezes ninguém precisava relavar nada porque nos entendíamos e nos conhecíamos tão bem que não precisava mais acontecer uma discussão. Apenas sabíamos o que fazer. No começo ela saia brava, calada e testa franzida. Depois ela aprendeu a ficar e que ficar era um ato de amor. Por fim, ou finalizávamos nossas discussões na cama ou no sofá assistindo filme abraçados mesmo. 
Filho, eu sempre soube que era uma pessoa difícil de se lidar. Você puxou isso de mim. Sua mãe fez um trabalho incrível comigo. Eu pedia a Deus pra me dar sabedoria e apoio para saber o que fazer certas vezes, mas principalmente para saber cuidar da sua mãe. Ela teve que ter muita paciência comigo nos primeiros anos. Tinha dias que eu chegava em casa e esperava cinco minutos dentro do carro antes de entrar pela porta da frente. O dia tinha sido difícil. Ela não tinha culpa, então não poderia chegar com a cara feia de braços cruzados. Eu só queria vê-la no fim do dia. Tinha vezes até que precisávamos daquela solidão existencial, é um mal de escritor. Demorou algum tempo para entendermos isso e que não era uma coisa com o outro. Era apenas nós mesmos nos encontrando. Tínhamos isso e para mim, que nunca queria deixa-la sentir-se só foi complicado entender que tinha dias que ela precisava disso mais do que eu.
Sua mãe não compreendia algumas coisas de mim. Ela não entendia sobre super proteção e os meus excessos de sentimento. A intensidade com que eu expunha pra ela tudo que eu sentia atrapalhava muitas vezes o que eu realmente queria dizer. Bom, com o tempo aprendi que deveria deixar um pouco isso de lado e ser mais natural. Ela gostava mais. Entre isso e outras coisas, aprendi sobre tudo que eu deveria ama-la de modo puro e sincero, que a confiança que eu tinha nela quando a conheci era a mesma que deveria perdurar durante todos os anos e que poderia acima do meu próprio sentimento acreditar no sentimento dela. Quando me converti ela disse que a batalha iria ser grande e foi mesmo. Nesse sentido pessoal principalmente. Meu espírito queria aceitar a paz que sempre busquei e encontrei nela mas a mente não estava preparada. Foi bem complicado conciliar os dois para que entrassem em sintonia. É nessa parte que agradeço novamente a paciência e o amor que ela teve para cuidar de mim. E ainda bem, porque quando mudei fomos mais felizes. 
Casamos e o dia que coloquei a aliança no dedo dela foi o dia mais feliz da minha vida. Me senti realizado, finalmente. Era o começo de um sonho acontecendo. Como bônus vieram todas as coisas como brigadeiro de panela, agarra-la enquanto ela fazia os artesanatos dela. Abraça-la debaixo da coberta em dias frios. Ter paciência e chocolate em dias de TPM. Pedir pizza sexta a noite. Acorda-la todos os dias. Levar café na cama domingo de manhã. Planejar viagens e coletar lembranças. Arrumar o chuveiro e a maçaneta. Comprar o chá que ela gosta. Sentir cheiro de bolo e café a tarde. Poder abraçá-la sempre que quisesse. 
Quando ela me deu a notícia que estava grávida de você, não sei explicar a felicidade que me deu. Quando vi nos olhos que era de verdade, foi a primeira vez que chorei na frente dela. Essa história que homem não chora? Tudo mentira. Depois ficamos aflitos com o que fazer então. As contas, faculdade, o carro... Meu Deus e agora? Foi uma benção, ficamos mais juntos ainda. E ela era tão teimosa que queria fazer as coisas em casa até com aquele barrigão de quase 9 meses. Eu brincava, falava que aquela barriga ia explodir se você não saísse logo. Ela ria. Ás vezes via ela deitada no sofá, era a grávida mais linda do mundo. Eu ficava todo bobo, me apaixonava ainda mais. Quando foi chegando perto de nascer, fiquei ansioso. Queria ver seu rosto e contar os seus dedinhos. Tinha 10 nas mãos! Eu contei.

Demos um jeito em tudo, pensamos juntos e realizamos juntos. Teve tempos mais difíceis que outros, mas todos encaramos muito bem. Há fotos, desde a nossa primeira viagem em um álbum. Deve estar na casa da sua tia. Vai ter sorriso de sobra ali. Ela era feliz e eu era feliz porque ela estava assim. Eu tinha meu lado pessoal, mas a minha realização só vinha depois do sorriso dela. Eu só sossegava quando via aquela covinha aparecendo. E foi assim sempre. 
Vivemos uma vida feliz, mesmo com alguns dias difíceis. Sua mãe morreu em 2086 e eu em 2082. Amei sua mãe desde 11 de abril de 2016 e fiquei esperando ela do outro lado. Tenho que dizer que foi como ser adolescente de novo esperando o primeiro encontro. Em todos esses anos de casados tenho que dizer que nem todos os dias foram flores. Mas ela não desistiu de mim e eu não desisti dela. Nunca. Aprendemos muito. Vê-la feliz era tudo pra mim. Se eu posso dizer algo daqui é para que nunca desista da mulher que você ama. Lute, se esforce, ceda, compareça, releve, entenda, aprenda e ame acima de tudo. Não importa o esforço que tenha, faça-a feliz!

Eu te amo filho.

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