2018/01/06

Dia 2420

Parei o carro no meio fio. Aquela coisa de "você precisa de cinco minutos aqui dentro antes de entrar em casa". Sem ninguém falando, sem nenhuma preocupação. Sem nenhuma obrigação. O programa do rádio falando qualquer coisa desimportante. A visão a frente são as luzes do painel e a iluminação amarela da rua. O chão úmido da recém chuva caída na tarde de terça-feira. Gotas respingadas no meu para-brisa. Tem a chave no contato, tem meu cigarro nos dedos e a mão para fora da janela. Tem os números da estação de rádio. Tem o terço pendurado no retrovisor. Tem o aromatizante de ambiente entre os bancos do motorista e passageiro. Tem uma mensagem não lida na tela do celular. Tem a minha cabeça no encosto do banco. Parece que metade do mundo enlouqueceu e a outra metade não se importa. 
Claro, eu faço planos, mas não quero ir. Faço planos porque sei que deveria ter vontade de fazê-los. Invento idéias de festas porque sei que deveria socializar mais, mas não queria tê-las. Não é fácil deitar na cama para relaxar os músculos e se ver tenso, rígido, nervoso por coisas que ainda não aconteceram, por coisas que eu queria que acontecessem e por tantas outras que sei que, humanamente, são impossíveis de acontecer. 
Existe uma coisa, uma coisa sem nome e sem forma visível. Essa coisa acontece quando eu passo da porta para dentro de casa. É como se nessa hora ligasse um botão e as luzes fossem acendendo simultaneamente até o sorriso dela. Nessa hora o ambiente todo fica iluminado. Minhas bochechas estão sintonizadas com os lábios dela. Então toda vez que ela sorri para mim, minhas bochechas se separam, respondendo também com um sorriso.
É bem difícil achar interesse em algo hoje em dia ou que alguma coisa prenda minha atenção por mais de trinta segundos. Mas com ela, qualquer coisa pode levar dias, horas que mesmo assim vou ter o mesmo interesse dos primeiros dez segundos. Observar ela comendo é um passatempo interessante e vê-la dormir é a coisa mais bonita que existe. Observar ela se trocando é a cena mais gostosa que tem e por fim, andar de mãos dadas com ela é o caminho mais incrível que posso fazer.
São cinco minutos dentro do carro pra deixar o mundo inteiro do lado de fora de casa e quando passar por aquela porta, abraçar meu mundo mais bonito sem peso nenhum, sem dor nenhuma. Ser apenas eu e meu mundo sorrindo. Quantas pessoas tem a sorte de ter um mundo bom desse?


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