2013/11/08

Dia 1650

"Ok", você pensa. "Se algo acontecer pelo menos o problema dos móveis da cozinha esta resolvido". Casar, ter filhos... Meu carro ja esta ficando passado, no jornal tem algumas novas opções. Celular ultimo tipo. Pra onde ir no fim do ano? São tantas opções. Mas e depois? Eu te pergunto: E depois?
A vida, por si só é tão solitária e chata. Se a gente não faz nada, ela se torna insuportavel. Insuportavelmente chata. Mas e depois? Depois que você se formar, arranjar aquele emprego, comprar todas as coisas que quer, gastar muito do seu cartão de crédito, comprar marcas e quantidades... O que vem depois? Por favor, me responda, o que vem depois? A filosofia do 'viver o agora' deveria ser repensada. É claro, eu sou um adepto disso. Pra mim muito mais vale um sorriso de agora do que um que eu planejo esboçar. Mas acaba de chegar o fim do mundo, o fim de todas as coisas. E eu te pergunto: E ai, qual vai ser?

Tenho 21 anos. Não faço o tipo atlético nem modelo. Eu sou... normal. Todo dia acordo cedo pra ir trabalhar. Eu vou a pé mesmo. Eu até que gosto de andar. Me faz pensar. Eu cruzo a ponte todo dia e todo dia passam duas meninas que sorriem pra mim quando passo por elas. Depois cochicham qualquer coisa, soltam um risinho abafado. Da pra ver se esta sol demais ou se vai ficar um dia cinza daqueles. São Paulo tem muito disso. 
Religiosamente eu vou na mesma padaria, e "um bolinho por favor" e vem sempre um acompanhado de um café fresco e cheiroso. A moça que me serve o café sempre pinta a unhas com umas cores engraçadas, cada semana é uma cor diferente, algumas vezes ela faz uns desenhos que nunca consigo reconhecer o que são, mas fica bacana nela. Na mesa que eu sento é bom, eu consigo ler o jornal tranquilo, consigo ver todo mundo que entra e que ja vai saindo. Nos dias que chove, as pessoas entram apressadas tentando fugir da água, com seus guarda-chuvas ensopados nas mãos. E eu sempre ali, sentado, tomando meu café com meu jornal do lado. Alguns dias até eu tomo nota, escrevo alguma coisa ali mesmo. Sobre o sapato da senhora que acabou de entrar, do casal que só pediu uma fatia de bolo pra comerem juntos e conversar mais que comer. Da executiva que entrou com o celular na mão, do advogado que discute uma apelação do caso. Pelo jeito que ele discute no telefone ja parece que ganhou o caso. Tanto faz...
Eu leio as noticias do dia, mas sem muito alarme afinal, é quase sempre as mesmas coisas. O legal é ficar sentado ali, eu, meu café e meu jornal. Dai eu viajo, sem sair do lugar. Trabalho, faço meus deveres e vou embora. 
Estou andando na mesma ponte, pensando que eu poderia ter ido ver ela de novo. Que eu poderia ter ligado. Que eu poderia ter quebrado a minha rotina ridicula ao menos uma vez e ter feito uma surpresa pra mim mesmo de viver um pouco mais hoje. Embora que, eu não fiz isso. O chão molhado, mais um cara cansado de trabalhar o dia todo também, não era nenhum marginal. Ele derrapou na pista, perdeu a direção do carro e jogou ele pra calçada. Me acertou bem em cheio. Nem consegui entender direito o que tinha acontecido quando abri meus olhos. Umas horas mais tarde disseram que eu fui forte, que segurei bastante e que eu fui um herói. Droga, eu não era o herói nem quando queria ser, vou ser um herói bem no dia que eu morri. 
Ai fiquei pensando um tempo depois: Se eu tivesse quebrado a minha rotina? O que teria acontecido? Mas e depois? E ai, qual vai ser?

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