2014/07/12

Dia 1913


Antes eu ficava pensando em que tipo de bar eu ia no sábado a noite. Essa era a minha maior duvida em questão. Agora, é diferente. Fico me vendo na frente da prateleira de fraldas tentando descobrir qual levar. Me perguntando qual delas é a mais adequada. Que tipo de papinha é a melhor. Quem me ve ali parado deve achar muito patética aquela cena. Um homem barbado que nem sabe comprar fraldas.
Certa vez uma amiga me disse que sempre que eu escrevia ela projetava a cena em questão. A imagem, as coisas, até os sons que eu descrevo. Então vamos lá, vamos dar um passeio...
Faz frio. São 15° graus na rua. As calçadas das ruas estão úmidas e de hora em hora vem uma garoa fina. Tipica e bem Paulistana isso. As pessoas tiraram suas jaquetas, casacos e sobretudo do guarda roupa. Estão mais elegantes - as pessoas sempre ficam mais elegantes no frio. As mulheres desfilam de botas altas. O ar tem aroma de grama molhada e há flores espalhadas no chão decorrido da neblina e vento da madrugada gelada. E aqui estou eu. Sentado dentro de um vagão de metro dividindo o espaço comunitário esperando que ninguém note a minha presença escrevendo em um bloco de papel para repassar isso adiante. A cada parada uma voz na interlocução do vagão anuncia qual é a próxima estação. Uso um gorro para proteger as orelhas de ficarem congeladas e o preto básico que esquenta bastante. O vagão aqui é extenso e da pra ver de uma ponta a outra. São exatamente 10:55 AM de uma sexta feira chuvosa.
Eu fico me perguntando e se você me encontrasse? O que diria? O que faria? Não seria tão patético tanto quanto eu na frente da prateleira de fraldas?
É poetizador ficar parado aqui agora, nesse banco de estação já que cheguei ao meu destino. Observar essas dezenas de pessoas que nem sabem seu nome e te ignoram mesmo assim ao passar por você. Seria meu coturno tão escuro que assusta ou a rotina cotidiana que te massacra todos os dias quando você se levanta da cama ao ponto de você nem reparar na vida em volta de você?
Pessoas, pessoas bonitas se cruzam aqui todos os dias. Mas nem se olham, nem se falam. Pois eu espero que você encontre o amor da sua vida atrás da faixa amarela. 


É uma sociedade onde cada um no seu espaço só faz presença na rede social mais forte de acordo com o sinal de wifi mais agudo. É comum e até abominável ver a maioria que espera o trem ou o ônibus ficar hipnotizado na tela touch.
Já eu, chamo a atenção porque sou o único com a cabeça baixa, porém escrevendo em um bloco de papel. Meu inseparável bloco de papel e sua companheira caneta mágica.
Então, o que você faria ao me ver? Me daria um abraço ou um beijo e diria que lê minhas linhas pela sua telinha? E depois? Seria aquele silêncio embaraçoso e desapropriado? Mas que tal um café ou me chamar para ser padrinho do seu filho? Ok, passamos por cenas patéticas todos os dias... Eu em frente a prateleira de fraldas e você me ignorando todos os dias sentado diante de você, escrevendo sobre você naquele banco de mêtro. Mas, o que realmente é importante? O que realmente vale até o final?
Se você fosse morrer hoje e pudesse fazer os ultimos pedidos, o que você pediria? Eu pediria... Sorvete de baunilha. Sim, é, sorvete de baunilha! E pediria pra ler "Paris é uma festa" de Ernest Hemingway. Pediria pra ouvir Cazuza também. E quando ele chegar naquela parte com a Bebel... 
'Quando a gente conversa
Contando casos, besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos'
... Eu vou cantar com eles. Vou pedir também um beijo na boca. As pessoas esqueceram o valor de um beijo na boca. É mais importante do que o sexo consumado em si até, e se esqueceram disso. Vou riscar esse dia do calendário. Vou pedir desculpas também. Vou escrever esse texto.

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