2013/04/01

Dia 1485


Ela parou do meu lado. Ficou em silêncio. Pediu um drink. Olhou pra mim. Tava certo que ela não era apenas mais uma lamentação da 00:00. Viu meu cigarro na minha mão e pediu pra poder queimar o dela. Mas ao invés disso ela tragou o meu. Deixou a marca do seu batom vermelho nele e me devolveu. Eu coloquei ele na boca, senti o gosto dos lábios dela. Era diferente. Por algum motivo aquela mulher me instigou de verdade.

"Os garotos estão por toda parte" ela disse. Eu tentei entender. Ela disse "Rapaz, aqui não é seu lugar". Entao onde era o meu lugar eu me questionei pra dentro. Como se ela pudesse ter ouvido minha consciencia falando comigo ela indagou "Aqui esta chato, quer tomar um pouco de ar?". E logo, as luzes fluorescentes do bar, a música alta, o papel de parede ruim, os banquinhos do drink e a pista cheia de marcas de pegadas foram ficando longe dos meus olhos. 
Do lado de fora, na rua abaixo meu carro estava estacionado e levei ela pra la. Uma bela pick up ford F100, 55' preta com rodas cromadas. Meu chodó.
As chaves no meu bolso ainda chacoalhavam junto com o soco ingles no bolso. O celular no outro com a bateria descarregando, duas mensagens sem ler e uma ligação perdida. Abri a porta do carro, afinal o cavalheirismo não morreu. Dei uma ultima tragada no marlboro. A pituca voa do meu dedo em camera lenta. Eu olho ao redor e a rua estava vazia. Carros estacionados, luz amarela vindo do poste. Algumas pessoas passando nas ruas paralelas subindo para ir ao bar. A garota esta sentada dentro do meu carro. Eu ainda tenho cheiro de cigarro nos dedos. A noite parece que vai me engolir ali mesmo. Bato a porta do carro e antes de sair da onde estou dou uma boa reparada na minha vida nesse exato momento. Vamos recapitular: 20 e poucos anos, sem curso definido, com uma garota desconhecida sentada no banco do carona, uma glock 40 no porta luvas ao lado das camisinhas, 50 pratas de dinheiro na carteira e sem idéia de porra nenhuma de como a noite vai terminar. 
Fomos pra longe dali. Ela não ligava quando eu acelerava mais. Até sorria, eu conseguia ver. Ela nem sabia pra onde eu estava levando ela. Mas dava pra sacar, ela estava curiosa pra saber. Começou a falar umas coisas esquisitas, sem sentido e de inicio achei que ela estava chapadona, cheia de ecstasy ou algo assim. Quando fomos chegando perto da onde eu tinha ideia de parar ela começou a se ligar onde era. Ela passava as mãos entre
as suas coxas brancas e parando na barra do vestido curto vermelho que usava. Como se estivesse querendo ficar excitada. Ela tinha um perfume bom. Eu estava caidinho por ela. Ela sabia disso.
Quando parei o carro, estavamos no alto de um morro deserto. Dava pra ver as luzes da cidade dali. Era bonito. Quando desliguei o carro, ela ja tinha tirado o cinto e veio pra cima de mim. Colocou a mão na minha perna, falou com uma voz doce "Aqui esta bem melhor do que no bar não acha?". Não sei, essa garota me lembra alguém. Alguém que ja conheci. Não sei onde mas eu ja vi isso antes. Como se fosse de outra vida sabe?
O primeiro pensamento que me veio na cabeça depois que ela falou comigo foi que eu ia trepar com ela a noite toda ali mesmo, no banco do carona. Que ela ia se acabar sentada no meu colo e ninguém ia ouvir. Ninguém ia ver. Ninguém ia saber. Ia ser só eu e ela. E depois disso ela ia dormir no banco enquanto eu dirigiria de volta pra cidade. Mas não foi isso que aconteceu. Eu tirei a mão da garota da minha perna. Eu liguei o carro. Eu dei a ré e voltei pra estrada. 
Ela ficou sem entender nada, perguntou onde eu estava indo. Eu gritei pra ela ficar quieta no banco e calar a boca. Ok, ela se assustou bastante. Mas que se foda. Uma garota que chega para um cara no bar e entra no carro dele sem saber quem ele é, essa garota é uma vadia e não presta. Não dou a minima pra ela agora. A primeira coisa que imaginei era o que ia acontecer mas eu não queria aquilo. Definitivamente não era aquilo que eu queria. Mas também não podia sacanear essa garota do banco do passageiro. Então deixei ela na estação, dei uma grana pra ela voltar pra casa e antes de ir embora eu pedi pra ela tomar juizo. Que nem todos os caras fariam isso. Comeriam ela, abusariam dela de um jeito nada romantico. Na verdade, os caras talvez foderiam com ela mesmo. E a mãe dela nem ia saber onde ela estava. Ela me olhou com uma cara de 'E você com a minha vida?'. Eu fui andando com o carro, vi ela falar alguma coisa. Acho que foi um palavrão. Mas que se foda também. Acelerei mais ainda. Joguei a arma pela janela do carro e ela voou pela montanha. Não precisava daquilo. Ja tinha voltado pra cidade. Eu sabia onde eu tinha que ir.
A campainha toca. É meu dedo nela. São 3:00am. 
Mesmo com cara de sono ela é linda. Mesmo com vestigios de choro ela é linda. Mesmo ainda brava ela é linda. E antes de qualquer coisa eu ja fui falando... "Me desculpa. Eu juro que não queria brigar com você. Não, mentira, eu queria brigar com você e jogar tudo na sua cara. Queria fazer você se sentir culpada pelos meus erros. Queria que a situação mudasse ao meu favor. Mas me desculpa. Eu não quero mais isso. Eu quero ficar bem com você. Eu quero abraçar você. Na verdade eu voltei só pra isso. Na verdade eu quero dizer que sinto muito mesmo. Eu sai daqui e vi como as pessoas são normais. Como é fácil conseguir uma foda rapida. Como todo mundo é tão igual. Como nada presta. Baby, você é o raio de luz dessa cidade. Eu não sei como não consegui olhar pra você antes com todo o valor que você tem. Você não é normal, não como esse monte de gente que tem por ai. Você é diferente e é por isso que sou apaixonado por você. Você é meu amor. Eu estava prestes a cometer o maior erro da minha vida. Me desculpa, eu te amo".

A realidade é que quando acabei eu não fazia idéia do que eu tinha acabado de falar. Mas senti uma leveza enorme comigo mesmo. Era como se eu tivesse dito exatamente tudo que a alma precisava dizer. Veio la do fundo mesmo sabe? Dai ela ficou me olhando sem entender nada. Esfregando um pé no outro com suas meias tentando se esquentar...
"Eu te mandei duas mensagens. Uma falando que estava tudo bem, pra você voltar que eu tinha feito algo pra gente comer. E outra falando que ja sentia sua falta. Tentei te ligar mas você não atendeu. Eu ia falar que te amo e que esperava ter o seu 'bom dia' pela manhã novamente."
Eu ja tinha visto aquelas cenas de antes. Era de uma vida que eu não queria pra mim. A vida que quero pra mim e essa de agora. Esse momento. Bem aqui. Na frente dela.
Eu amo ela. Ela é minha garota. Eu a amo pra caramba mesmo, acho que mais do que a mim mesmo. Jamais quero perdê-la, magoa-la ou fazer ela triste. Eu fechei a porta de casa e sentamos no sofá. Eu embrulhei ela no edredom. Ficamos ali a noite toda. E pra mim, hoje é um dia importante. E daí, de hoje em diante, todo dia vai ser o dia mais importante.

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